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Alzheimer e COVID-19: Vive com alguém com demência que quer muito ir à rua. O que fazer?


PIERRE-PHILIPPE MARCOU/GETTY IMAGES

Coronavírus: “Ela vive com alguém com demência que quer muito ir à rua. Que faz? Transforma a varanda para parecer que estão na rua”: histórias da covid


Em tempos de quarentena, as pessoas com demências estão particularmente vulneráveis à quebra das rotinas e os comportamentos associados à doença colocam-nas no grupo de risco perante a covid-19.


Para atenuar os efeitos psicológicos e físicos de ficar em casa, a Associação Alzheimer Portugal criou um guia com dicas e atividades para doentes e cuidadores. Em entrevista, Nuno Antunes, psicólogo da associação, aponta que o apoio domiciliar não está sendo suficiente para atender às necessidades de doentes em quarentena. Além disso, avisa que as medidas tomadas pelo Governo no contexto da pandemia da covid-19 não abrangem os cuidadores, “que são obrigados a continuar trabalhando e não têm com quem deixar a pessoa com demência”.


Entre as recomendações para passar os dias estão as artes, a culinária, a atividade física e a jardinagem — uma boa forma de levar as pessoas com Alzheimer e outras demências a lavar as mãos, algo que, devido à doença, podem esquecer-se recorrentemente de fazer.

As pessoas com demência são um grupo de risco?

O fato de ter demência não aumenta o risco de a pessoa desenvolver uma doença associada à covid-19, mas por haver alterações associadas à demência — ao nível da memória, linguagem, mas também comportamentais — pode levar a que a pessoa com demência tenha mais comportamentos de risco. No caso das pessoas com Alzheimer, em que normalmente a principal alteração é ao nível da memória, pode haver dificuldades em seguir a recomendação de lavar várias vezes as mãos ao dia.


Também pode ser difícil para a pessoa lembrar-se por que razão deve permanecer mais tempo em casa neste período de isolamento social. No caso da demência semântica, em que as alterações são sobretudo ao nível da linguagem, a pessoa pode não conseguir perceber o que lhe é explicado, e ter comportamentos desajustados neste contexto de pandemia.


Além disso, a demência é algo que afeta, na maior parte das vezes, pessoas com mais de 65 anos, logo isso já faz com que sejam consideradas um grupo de risco. E pessoas com demência podem ter outras doenças, a nível cardiovascular e respiratório: tudo isto faz com que sejam um grupo de risco.

Qual o impacto do vírus em termos psicológicos?

Com as medidas de distanciamento social em vigor, há uma enorme quebra nas rotinas da pessoa com demência que por exemplo frequentava um centro de dia ou participava em atividades programadas. Essa alteração na rotina pode fazer com que se sinta mais desorientada e agitada. No caso das pessoas com Alzheimer, e tendo em conta as alterações na memória, pode haver um grande sentimento de insegurança, dado o contexto, mas sem que a pessoa saiba ou se recorde porquê. E comportamentos como pedir para ir para casa, para junto da mãe, acabam por ser comuns. É a forma de demonstrarem que se sentem inseguras, embora não saibam exatamente porquê.

Há uma espécie de regresso a instintos mais básicos?

Sim, pode ser um reflexo disso. Quando é que sentimos uma grande necessidade de voltar para casa? Quando nos sentimos mais inseguros. São pistas que nos ajudam a perceber o que a pessoa com demência está sentindo. E há ainda outra razão para a agitação: é que a pessoa, estando num lar, não só não pode voltar para casa, como os seus familiares não a podem visitar. Isso pode provocar sentimentos de isolamento e de solidão, se a situação não for bem explicada. É preciso explicar porque é que o filho não foi ao lar visitá-la ou porque é que o neto não passou lá em casa. É preciso explicar a razão de tudo isso estar acontecendo, para a pessoa não sentir que foi abandonada ou esquecida pelos filhos.

Isso requer uma dose extra de paciência por parte do familiar/cuidador.

É normal que a pessoa com demência faça várias vezes a mesma pergunta, que se torne repetitiva, dadas as dificuldades em compreender o contexto atual. Podemos pedir ao cuidador para ter mais paciência, mas também sabemos como a situação pode ser desgastante para ele. Se conseguirmos criar um plano para o dia, que envolva atividades estimulantes e que a pessoa goste de fazer e até se distraia a fazê-las, essas perguntas repetidas e esse desgaste podem ser evitados. Também pode ser uma forma de lidar com a vontade de sair de casa, quando isso não é recomendável.

Há alguma história que possa partilhar?

Sim. Há o caso de uma senhora que vivia com uma pessoa com demência que queria muito sair à rua, insistia nisso. O que fez esta senhora? Decidiu desmontar a estrutura que cobria a varanda que tinha em casa e preparar ali a mesa, como se estivessem almoçando fora.

Quando os cuidadores/familiares perguntam que atividades podem fazer com a pessoa com demência, o que recomendam?

É muito importante manter a atividade física, com exercícios adaptados à pessoa e a condição dela. Se houver menos atividade e, consequentemente, menos gasto de energia, a pessoa pode acabar por ficar mais agitada e ter mais dificuldades em dormir à noite. Andar pela casa ou fazer exercício sentada já são boas estratégias. E chamo mais uma vez a atenção para a importância de manter as rotinas, dentro do possível, como acordar e fazer refeições sempre à mesma hora.


Dá uma certa sensação de continuidade e isso é importante tanto para a pessoa com demência como para o cuidador. Ficar em casa e não organizar o dia de uma forma estruturada poderá ter um grande impacto psicológico.

Poderia dar alguns exemplos dessas atividades?

Além da atividade física, pode ser interessante recuperar álbuns antigos de fotografias e folheá-los juntamente com a pessoa, para ver se as fotografias lhe trazem alguma memória.


Viver histórias do passado. Às vezes é mais fácil para as pessoas com perda de memória falar de coisas mais antigas e não tanto de acontecimentos recentes. Podemos também sugerir à pessoa que cozinhe connosco, mesmo que até não se lembre da receita do início ao fim.


Artes criativas, como a pintura, também são interessantes, e ajudam não só a estimular a criatividade, como a relaxar. Jardinagem também pode ser uma ideia. E não é por acaso que sugiro duas atividades que envolvem sujar as mãos — é que essa é uma forma de fazer com que a pessoa lave mais as mãos, algo que se recomenda tanto neste contexto de pandemia. A pessoa vê as mãos sujas e acaba por ter a iniciativa de as lavar.

Como pode um familiar/cuidador explicar à pessoa com demência o que se passa?

Depende de pessoa para pessoa, não há uma fórmula mágica. Haverá pessoas que podem preferir uma explicação simples e direta, e outras que vão precisar de uma explicação mais rica, com mais factos.


Caberá ao cuidador, que conhece bem a pessoa que tem a seu cargo, adaptar a informação ou corrigir, se for o caso, numa espécie de tentativa-erro. O mais importante é não esconder a verdade, não mentir sobre o que está a acontecer, porque não conseguimos controlar a informação que lhe chega dos meios de comunicação.

O que pode fazer um cuidador para cuidar de si próprio?

Isso é muito importante, porque se hoje ainda se fala pouco sobre a demência, ainda menos se fala sobre os cuidadores das pessoas com demência. E, se não fossem eles, todas estas pessoas estariam à mercê de lares e dos serviços de saúde pública, sobrecarregando ainda mais o Sistema Único de Saúde.


Os cuidadores têm um papel fundamental no ato de cuidar e também precisam ser cuidados. Muitas vezes podem achar que não têm tempo para cuidar de si próprios, mas não nos cansamos de insistir que, se não o fizerem, também não vão cuidar de forma eficaz da pessoa que têm a seu cargo.


Podem encontrar esse tempo quando a pessoa de quem cuidam está descansando ou entretida com uma tarefa: aproveitar para ler, ouvir música, fazer algo de que gostem, e outras estratégias de relaxamento.


Também é importante manter o contato com pessoas de quem se gosta, para ajudar a diminuir sentimentos de isolamento e solidão.


As pessoas com demência são muito sensíveis à forma como os cuidadores se sentem. Se estes se sentirem mais nervosos ou ansiosos, isso irá acabar por refletir-se na pessoa cuidada. Porque a pessoa com demência pode não conseguir comunicar tão bem como comunicava antes ou ter a mesma capacidade de entender o que se passa, mas capta tudo, capta as emoções, percebe o que está a acontecer.


Daí ser tão importante os cuidadores cuidarem também de si. Eles são fundamentais e muitas vezes esquecidos. Por isso merecem o agradecimento de toda a sociedade.

Por: Helena Bento e Tiago Soares

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